Pessoas que não são consideradas “normais” diante dos terríveis olhos da sociedade sofrem ainda mais para poder viver no meio dela. São inúmeros os julgamentos, pré-conceitos, dúvidas, piadas e uma lista infinita de obstáculos àqueles com deficiência têm de enfrentar dia após dia.
Tiago Vieira Bomtempo, de 36 anos, é associado da APCEF/MG e possui um irmão mais novo, Samuel, com Síndrome de Down. A convivência com o caçula e as questões diárias que envolvem o político-social se transformaram em um estudo profundo sobre a discussão do trabalho no âmbito da relação entre médico e paciente. O estudo resultou em uma tese de doutorado, onde Tiago escreveu um livro intitulado Consentimento Das Pessoas Com Transtornos E Deficiências Mentais.
“Com a vigência dessa lei, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, as pessoas com deficiências e transtornos mentais passaram a ter capacidade jurídica para todos os atos da vida civil, independente do grau de discernimento, salvo na impossibilidade de manifestar à vontade. Dessa forma, preocupado com a redação dessa lei que pode prejudicar esse grupo de pessoas mais vulneráveis, resolvi tratar acerca do consentimento na relação médico paciente”, relatou o associado.
Todo o processo de pesquisa realizado por Tiago levou cerca de dois anos para elaboração completa da tese, em meio a obras jurídicas, da medicina, filosofia e psicologia. De acordo com ele, a parte mais difícil do trabalho, mesmo sendo a melhor, foi a pesquisa de campo no Ambulatório de Neurologia Cognitiva Bias Fortes, anexo ao Hospital das Clínicas da UFMG (Universidade Federal do Estado de Minas Gerais).
“A parte mais difícil foi o processo na autorização da realização da pesquisa no ambulatório, pois, como se tratou de pesquisa com seres humanos, a universidade pelo comitê de ética exige vários documentos, e ainda com a pandemia, a autorização demorou quase 1 ano”, afirmou Tiago.
Mesmo com a exaustão e as dificuldades, houve partes positivas para o associado nessa tese. “Ter contato com as pessoas mais vulneráveis, com enfermidades mentais e que tanto precisam de mais atenção e respeito pela sociedade enriqueceu não só o trabalho, mas como a mim também, como experiência de vida”, conclui.
É um livro complexo, mas de extrema importância para a nossa sociedade atual. É maduro, necessário e responsável para com aqueles que mais precisam de nós. Segue abaixo um resumo do que se trata o livro e a tese de Tiago Vieira:
A Lei n. 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, alterou de forma expressiva o regime das incapacidades no Código Civil de 2002. Entre as suas alterações, deixaram de ser absolutamente incapazes os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, e não são mais considerados relativamente incapazes os que tiverem o discernimento reduzido e os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo. Assim, o anterior critério legal para a proteção do vulnerável, como as pessoas com transtornos e deficiências mentais, passa para a promoção do exercício de sua autonomia, como a obrigatoriedade do consentimento prévio, livre e esclarecido do deficiente para a realização de tratamento, procedimento, hospitalização e pesquisa científica. Nesse contexto, cumpre a esta pesquisa demonstrar a efetividade do consentimento livre e esclarecido (CLE) para os pacientes com comprometimento neurocognitivo e psiquiátrico, agora considerados capazes com a redação da referida lei. Para tanto, utilizar-se-á, com base em pesquisa de campo e na hermenêutica fenomenológica, apoiada na bioética, se na prática é possível o exercício da autonomia destes indivíduos na relação entre médico e paciente. Inicialmente, será abordado o regime das capacidades jurídicas no Brasil e em outros países de origem latina; após, o entendimento das diversas ciências acerca das deficiências e doenças mentais; para, em seguida, discutir a autonomia e o termo de consentimento, e sua aplicação na atualidade; ao final, trazer análise de pesquisa de campo, sob o enfoque na hermenêutica fenomenológica, sobretudo com a linguagem; e apresentar críticas e possíveis caminhos com essa lei. Conclui-se, a princípio, que é necessária a interlocução do Direito com as outras ciências, de forma a superar as barreiras do preconceito em relação às pessoas com transtornos e deficiências mentais, e que haja intensa reformulação no tratamento do médico com o paciente, para que este seja agente de sua vontade, quando for possível haver discernimento. Afinal, uma lei não resolve a autonomia de alguém diante de inúmeras patologias e deficiências que cada pessoa possa apresentar, pelo que só é possível definir a partir da redução fenomenológica no caso concreto.
O link para ter acesso ao livro segue aqui. A obra é digital e gratuita, para quem quiser baixar e ler.
Departamento de Comunicação da APCEF/MG